“Depois que entrei aqui, aprendi a ler e a escrever, avancei nos meus estudos, meu objetivo agora é passar no Enem e conseguir um bom emprego”. Essa afirmação é do reeducando Renato Portela, que passa pela ressocialização dentro da Penitenciária Regional Irmão Guido. O acesso ao ensino dentro do sistema prisional vem mudando a vida dos detentos no Piauí, estado que tem o maior percentual de presos estudando do Brasil, um índice três vezes maior do que a média nacional. O resultado desse trabalho vem se mostrando positivo.

Renato Portela é um dos exemplos de como a educação é fundamental para o processo de ressocialização de um detento. Não sabia ler e hoje já faz planos para uma vida nova fora da penitenciária. “Parei de estudar aos 10 anos de idade, minha mãe chamava atenção, mas não a escutei naquela época e hoje tenho pago um preço muito alto. Aprender a ler foi uma conquista para mim, aqui, onde tenho aprendido a ler livros e, também, ter um conhecimento global. A prática da leitura era uma coisa muita distante para mim, achava que nunca iria aprender. Tem sido muito difícil e minha mãe não pôde me ver lendo por ter falecido recentemente; ela não pôde acompanhar esse momento positivo da minha vida, mas seguirei com meus estudos em nome dela”, diz Renato.

Renato Portela é um dos exemplos de como a educação é fundamental para ressocialização

O acesso a programas de ensino e a oportunidade de estudar na unidade prisional foram fatores fundamentais para que os detentos saiam da vida do crime e retornem à sociedade com uma nova esperança. Em 2018, mais de 300 detentos no Piauí realizaram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para Pessoas Privadas de Liberdade (PPL). Desse número, 59 conseguiram a aprovação para o -acesso à educação superior. Já no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA), no mesmo ano, 498 reeducandos realizaram a prova.

O secretário da Justiça do Piauí, Carlos Edilson, destaca a importância do ensino no sistema prisional. “O conhecimento gera novas oportunidades e novos olhares. A nossa gestão aposta na educação como forma de dar novas perspectivas de vida aos detentos”, frisa.

Hilton César, também reeducando na Penitenciária Regional Irmão Guido, quer recuperar o tempo perdido e aproveitar a oportunidade para terminar os estudos e fazer o Enem. “Devido aos golpes que peguei na vida, de ter entrado para o submundo da criminalidade muito cedo, eu vim parar aqui e quando cheguei, pensei que iria ser recebido de outra forma, mas não, fui bem recebido, o diretor me deu essa oportunidade de continuar os estudos, no qual parei na quinta série e hoje estou no Ensino Médio, terminando esse ano. Hoje, penso em uma profissão, que antes não vislumbrava, não pensava em nada e agora estou me preparando para fazer o Enem, focado nisso para ser aprovado e conseguir uma vaga na universidade”, conta o detento.

Hilton César quer aproveitar a oportunidade para terminar os estudos e fazer o Enem

Atualmente, mais de 700 internos participam de programas educacionais nas unidades penais do estado, como o Ensino para Jovens e Adultos (EJA), Projovem Urbano e o Encceja Nacional PPL. Além disso, revisões para o Enem e outros projetos de ensino são aplicados no sistema prisional, entre eles, o Canal de Educação e o Leitura Livre.

Tacila Nascimento é interna da Penitenciária Feminina de Teresina, parou os estudos na oitava série, hoje é uma das alunas do Projovem Urbano e sonha em terminar os estudos. “Quando cheguei aqui, logo de início já quis estudar, porque meu sonho é terminar meus estudos. Com um mês aqui, já estava no Projovem Urbano, onde até hoje estou e quero concluir os estudos, depois arrumar um emprego e construir a minha vida, minha família. Quando eu era mais nova, não tinha interesse em estudar, tanto que parei na oitava série, mas depois que cheguei aqui, encontrei motivação e hoje amo vir para a escola, porque ficamos trancadas da cela e sair é muito bom, por isso estou aprendendo cada vez mais. Pretendo sair com os estudos terminados e com o diploma na mão”, ressalta.

Para Jussyara Valente, coordenadora de Ensino da Secretaria da Justiça, os exemplos são a maior ferramenta para motivar quem ainda não está inserido no contexto escolar. “Eles entendem que a educação vale a pena pelo conhecimento e pelas oportunidades que adquirem. E tanto a família quanto eles mesmos passam a se enxergar melhor, quando percebem que a educação está fazendo parte da vida deles”, explica Jussyara.

É o caso da reeducanda Thaynara Araújo, que hoje vê como os estudos são importantes e vê na felicidade de sua mãe a motivação para continuar a buscar uma vida melhor. “Desisti da escola no sexto ano, porque conheci umas amizades, comecei a faltar as aulas, a usar drogas e fui me afastando cada vez mais da escola até deixar de vez. Tenho 18 anos de idade e vai fazer seis meses que estou aqui. Logo que entrei já comecei a estudar e quero continuar quando eu sair. Estou achando ótimo porque quando estava lá fora vivia no submundo do crime e agradeço a oportunidade por ter entrado no Projovem. Quando sair daqui vou poder construir a minha vida lá fora, começando pelos estudos, que é primordial na vida de uma pessoa. Minha mãe ficou muito feliz quando soube que estava estudando aqui e estou fazendo tudo isso por causa dela. Quando sair daqui quero continuar estudando, quero trabalhar para ajudar minha mãe e não quero mais decepcioná-la”, conta Thaynara.

Reeducandas da Penitenciária Feminina de Teresina também participam de programas educacionais

“Apesar das dificuldades dentro do sistema carcerário, há o incentivo ao aprendizado e isso tem transformado nossas vidas”, completa Renato Portela.

Ressocialização

Ressocializar significa voltar a fazer parte de uma sociedade, a possuir um convívio social. Segundo a Lei de Execução Penal, n° 7.210/84, os privados de liberdade devem ter acesso a ferramentas que proporcionem a sua reintegração na sociedade. Uma delas é a educação.

Números

No Piauí, 40% das pessoas privadas de liberdade no sistema penitenciário estão inseridas em algum programa educacional desenvolvido nos presídios do estado. De acordo com os dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), esse percentual é quase quatro vezes maior que o índice nacional, de aproximadamente 12,6%.